OCORRÊNCIA DE LESÕES NO FUTEBOL

Este artigo a seguir fala sobre a Incidência de lesões no futebol. Foi escrito por Moisés Cohen, Rene Jorge Abdala, Benno Ejnisman e Joicemar T. Amaro. Ele está publicado pela Revista Brasileira de Ortopedia. Achei interessante e importante reproduzi-lo aqui, pois nos trás um amplo campo de discussões a seguir. 

INTRODUÇÃO

O futebol é um dos esportes mais populares do mundo, praticado, segundo o boletim da Fédération Internationale de Football Association – FIFA, por mais de 60.000.000 de pessoas em mais de 150 países.
Como esporte, o futebol tem sofrido muitas mudanças nos últimos anos, principalmente em função das exigências físicas cada vez maiores, o que obriga os atletas a trabalharem perto de seus limites máximos de exaustão, com maior predisposição às lesões.
É consenso que, em nível mundial, o chamado futebolarte está dando lugar ao futebol-força.
No Brasil, tem sido difícil atingir um ponto de equilíbrio entre o preparo e exigências ao atleta. Por um lado, temos o avanço da medicina desportiva, levando a melhor conhecimento da fisiologia do esforço e permitindo protocolos específicos para cada atleta, de acordo com suas características. Em contrapartida, temos o excesso de jogos e treinamentos, que colocam o atleta nos limites de ocorrência de lesões musculares e osteoarticulares.
O atleta é um indivíduo que, antes de qualquer lesão, nada apresentava, geralmente considerado um modelo de saúde, razão pela qual aceita com dificuldade a condição de trocar o campo de futebol pelo departamento médico. Em algumas situações, frente às lesões em atletas profissionais, o médico deve ter conduta exemplar, pois, no futebol, podem-se sofrer pressões para o não afastamento ou volta mais precoce do jogador em tratamento.
No futebol, a estatística passou a ter grande importância na avaliação do grau de sobrecarga de treinamentos e excesso de jogos em função do número e tipos de lesões.
Naves(7), em 1952, foi o primeiro a reportar relação com lesões traumáticas no futebol em 4.000 jogos/10 anos. McMaster & Walter(6), em 1978, realizaram o primeiro estudo prospectivo das lesões no futebol na literatura norte-ameri-cana. Também em 1978, Nilsson & Roaas(8) estudaram dois campeonatos noruegueses e concluíram que 56% das lesões ocorrem durante a partida, 2/3 das quais nos membros inferiores, e as contusões são as mais comuns.
Em 1980, Sullivan et al.(10) estudaram 1.272 jogadores profissionais e classificaram suas lesões de acordo com a idade e localização anatômica.
Ekstrand & Nigg(4), em 1989, associaram as lesões no futebol ao uso de calçados inadequados, bem como ao tipo de gramado ou solo utilizado.
Na literatura brasileira, Carazzato et al.(3) (1992) estudaram e compararam lesões no futebol de campo e salão sob o aspecto do diagnóstico e localização anatômica das lesões.
Pedrinelli(9), em 1994, pesquisou 354 lesões traumáticas em 150 jogadores de futebol profissional, ressaltando a faixa etária, localização da lesão, posição do atleta e etiologia. Concluiu que as lesões mais freqüentes ocorrem nos membros inferiores, sem contato, predominando as contusões.
Os movimentos realizados no futebol são muito variados, exigindo, em média, mudanças inesperadas a cada seis segundos.
Há vários estudos sobre a incidência de lesões no futebol e os números encontrados são às vezes bem diferentes, pois é grande a quantidade de variáveis. Por essa razão, preocupados com o problema, realizamos estudo epidemiológico das lesões no futebol em nosso meio.
Existem muitas variáveis relacionadas às lesões no futebol. Assim, dividimos essas variáveis em dois grupos(1): 1) intrínsecas – inerentes ao esporte em si, como corridas curtas e longas, saltos, mudanças rápidas de movimento, cabeceios, etc.; e 2) extrínsecas – em que se avaliam as condições do campo, tipo de chuteira, condições físicas e de saúde, sexo, quantidade de jogos, treinos, motivação, etc.
Neste trabalho realizamos um estudo das lesões em atletas profissionais em oito grandes times de futebol do Brasil. Procuramos uma amostra homogênea de atletas com o menor número possível de variáveis, para demonstrar de forma representativa a freqüência de lesões no futebol profissional do Brasil.
MATERIAL E MÉTODO
Foram levantados ao redor de 200 prontuários de atletas profissionais de futebol por ano, de oito times do Brasil participantes de campeonatos regionais, nacionais e internacionais, de 1992 a 1995, com avaliação de no mínimo dois anos por equipe.
Os atletas eram todos do sexo masculino e a faixa etária variou de 16 a 40 anos de idade, sendo a média de 22,4 anos.
As queixas eram anotadas na ficha individual de cada atleta, contendo identificação, dados do exame médico funcional do jogador. Na eventual ocorrência de lesão, relatavam-se a descrição do mecanismo, localização anatômica, sintomas e sinais clínicos, exames subsidiários, tipo de tratamento, tempo de afastamento e condições de retorno ao esporte. Foram consideradas apenas as lesões ocorridas em jogos oficiais e amistosos. Aquelas ocorridas durante os treinos foram analisadas à parte e desconsideradas neste estudo.
Obtiveram-se para cada equipe os valores médios do número de lesões por ano, os quais foram computados e analisados conjuntamente entre todas as equipes (tabela 1). As atividades desenvolvidas pelos atletas eram semelhantes nos diversos clubes durante a semana (14 períodos). As sessões de treinamento eram de três horas de duração por período, com folga antes e após os jogos, que ocorriam geralmente duas vezes por semana (quartas ou quintas e sábados ou domingos).
Com treinos de duas a três horas de duração, realizados em oito períodos por semana, e excluindo-se os 30 dias de férias legais a que o atleta tem direito, obtivemos o valor médio de 960 horas de treinamento/ano.
Cada equipe apresentava um plantel de profissionais disponíveis ao técnico, variando de 23 a 37 jogadores, com média de 26,8 atletas por clube.
Nosso material, distribuído entre as oito equipes, totalizou 964 lesões por ano, número este que constitui a soma das médias anuais de lesões de cada equipe, com variação de 84 a 233 lesões/ano por equipe.
Com um número médio de duas partidas semanais de 90 minutos e aproximadamente três meses sem jogos, que correspondem ao intervalo entre os campeonatos e férias dos atletas, obtivemos média de 108 horas de jogo por ano, ou seja, 72 partidas de 90 minutos.

Quanto à incidência por idade, as lesões foram divididas em grupos: abaixo de 20, 21 aos 25, 26 aos 30, 31 aos 35 e acima de 35 anos de idade.
Realizou-se a avaliação das lesões por posição de cada atleta, sendo divididos em goleiro, lateral, zagueiro de área, meio-campista, centroavante e ponta.
Os diagnósticos foram divididos conforme trabalhos de Brynnhildsen et al.(2) (1990), modificados em: contusões, fraturas e luxações, entorses, lesões musculares e tendinites. Para o auxílio do diagnóstico e acompanhamento dos casos utilizaram-se exames subsidiários, como: radiografias, ultrasonografia e ressonância magnética.
Quanto à localização, as lesões foram classificadas por segmentos: tronco (cabeça e pescoço, coluna dorsal e tórax, coluna lombar e cintura pélvica), membros inferiores (coxa, joelho, perna, tornozelo e pé) e membros superiores (ombro, braço, cotovelo, antebraço, punho e mão).
As lesões foram classificadas, conforme o mecanismo de ocorrência, em por contato direto e não-contato.
O período de afastamento foi considerado desde a lesão até a liberação para os treinos coletivos, sendo classificado como leve (0-7 dias), moderado (8-30 dias) e grave (> 31 dias)(4). A freqüência de lesões foi estudada de acordo com a incidência por ano de lesões e os seus tipos em relação ao número de jogadores das oito equipes selecionadas neste estudo.
RESULTADOS
Considerando-se 72 jogos/ano e que durante cada jogo a exposição aos riscos de lesão é maior, analisamos as situações de risco para as equipes isolada e conjuntamente. As-sim, em cada equipe pelo menos 11 jogadores titulares estavam mais sujeitos às lesões no decorrer das partidas (72 apresentações), correspondendo em média a 792 (72 x 11) situações de risco para cada equipe durante um ano. Levando-se em consideração os oito times estudados, obtivemos 6.336 (792 x 8) exposições ao risco.
A média de atletas que efetivamente atuaram em jogos foi de 124 jogadores, o que corresponde aos 88 titulares, soma-dos a variação de 40% dos substituídos durante o ano. Com-putando-se esses dados, pudemos obter para cada atleta uma média de 51 exposições de risco/ano.
Ao analisarmos os números de lesões por atletas em relação à faixa etária, encontramos semelhança percentual entre os atletas de 26 a 40 anos (tabela 2).
A análise do número de lesões de acordo com a posição do jogador demonstrou menor incidência em goleiros. Quando omparamos entre jogadores de defesa e ataque, observamos nítida predominância de lesões nas posições do meio-campo e ataque, conforme o gráfico 1.
 Quanto à localização anatômica das lesões, estas ocorreram nos membros inferiores (72,2%), cabeça e tronco (16,8%) e membros superiores (6,0%).
Houve predomínio das lesões em coxa (34,5%), tornozelo (17,6%) e joelho (11,8%).
Em relação ao diagnóstico, encontramos a maior freqüência das lesões musculares (39,2%), seguidas das contusões (24,1%), entorses (17,9%), tendinites (13,4%) e, finalmente, das fraturas e luxações (5,4%).
Quanto ao mecanismo de ocorrência das lesões, encontramos 392 (40,7%) decorrentes de contato direto e 572 (59,3%) nas quais este não ocorreu. Das 572 lesões sem contato dire-to, 291 (50,9%) foram lesões musculares, enquanto que, das 392 lesões por contato direto, 206 (52,5%) foram contusões.
Em relação ao tempo de afastamento, contabilizados em dias, 549 (56,9%) lesões permitiram ao atleta voltar em me-nos de 7 dias, 379 (39,4%) de 7 a 30 dias e 36 (3,7%) mantiveram o jogador afastado por mais de 30 dias. As lesões ligamentares submetidas à cirurgia de reconstrução ligamentar de tornozelo e joelho foram as que mais tempo mantiveram os atletas fora de atividade (tempo médio de oito meses).
A tabela 3 permite observar que o retorno aos jogos em menos de 7 dias ocorre em 84,5% das contusões, 3,9% das fraturas e luxações, 49,7% dos entorses, 52,6% das lesões musculares e 51,1% das tendinites, o que corresponde a 56,9% do total das lesões. Quando se trata do retorno à equipe após 30 dias, obtivemos 0% nas contusões, 28,8% nas fraturas e luxações, 5,2% nas entorses (casos cirúrgicos), 1,0% nas lesões musculares e 6,2% nas tendinites (incluídas as pubeítes).
DISCUSSÃO
Através deste primeiro estudo multicentrico, procuramos demonstrar a realidade do esporte mais praticado pela população brasileira.
Com base em nosso material apresentamos oito times profissionais de futebol, que têm muitas semelhanças entre si, como: tamanho do plantel, idade média dos jogadores e número de jogos realizados por ano.
O número de jogadores utilizados e o total de lesões são compatíveis com o restante da literatura(6,7,9).
Segundo nossos achados, os times que atuaram com maior freqüência apresentaram maior incidência de lesões ortopédicas, justificada pela maior exposição ao risco de lesão, além dos fatores psicológicos relacionados ao excesso de jogos e partidas decisivas. O time B em determinado período apresentou incidência de lesões muito acima da média. Isto coincidiu com a disputa concomitante de três campeonatos, sen-do dois nacionais e um internacional, que pela distância (Japão), exigiu dos atletas a prática esportiva sem as melhores condições, tais como cansaço de viagem, fuso horário e grande responsabilidade em disputar um título mundial.
Ao analisarmos a distribuição das lesões com relação à idade, notamos predomínio em jogadores mais velhos, sen-do esta uma curva progressiva com o passar da idade, dados estes compatíveis com a literatura(10).
Concordamos com Pedrinelli(9), pois encontramos maior número de lesões nos jogadores de meio de campo e ataque, predominando as de membros inferiores. Esses fatos podem comprovar a mudança do estilo do futebol jogado atualmente, no qual os atacantes sofrem marcação mais intensa e muitas vezes violenta.
Com relação à freqüência dos diagnósticos das lesões, nossa amostragem apresentou dados não compatíveis com os da literatura, pois Nilsson & Roaas(8) encontraram maior incidência de contusões, enquanto em nossa amostragem obtivemos maior número de lesões musculares. Estas foram responsáveis por cerca de 50% das lesões sem contato físico. Talvez muitos dos atletas que sofreram contusões leves não tenham procurado o departamento médico, preferindo omitir e tratar por conta própria.
Ainda analisando o tipo de lesão, observamos que as fraturas e luxações são as menos freqüentes, porém correspondem às lesões que necessitam de tempo mais prolongado de afastamento. As contusões e entorses em sua grande maioria não impossibilitaram o atleta de retornar ao futebol em mais de uma semana. Com relação às lesões musculares, nossos dados comprovaram a grande variação no tempo de retorno ao esporte. A definição do tempo para retorno não seguiu um padrão homogêneo, havendo em alguns atletas a recidiva durante a volta à atividade.
Com esta ampla revisão do esporte mais querido de todos nós brasileiros, devemos cada vez mais salientar a necessidade de estudos nestes moldes, enfocando inclusive fatores ainda não estudados como: as condições dos gramados, tipos de treinamento, calçados adequados e preparação física do atleta.
 CONCLUSÕES 1) As lesões musculares foram as mais freqüentes.
2) Os jogadores abaixo de 26 anos apresentaram menor incidência de lesões do aparelho locomotor.
3) A maior incidência de lesões ocorreu nos jogadores de meio de campo e ataque.
4) As lesões dos membros inferiores ocorreram com maior freqüência que a dos membros superiores e tronco.
5) As lesões sem contato foram mais freqüentes em nossa amostragem.
6) As lesões no futebol foram de maneira geral leves, permitindo em sua grande maioria o retorno ao esporte em até uma semana.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer aos Drs. André Pedrinelli, Carlos Braga, Claudio Couto, Dalvir Giraldi, Joaquim Grava, José Sanches, Lídio Toledo e Ronaldo Nazaré, pelo pronto atendimento dos dados quando solicitados.
REFERÊNCIAS
Berger-Vachon, C., Gabard, G. & Moyen, B.: Soccer accidents in the French Rhone-Alpes Soccer Association. Sports Med 3: 69-77, 1986.
Brynnhildsen, J., Ekstrand, J., Jeppsson, A. et al: Previous injuries and persisting symptoms in female soccer players. Int J Sports Med 11: 489492, 1990.
Carazzato, J.G., Campos, L.A. & Carazzato, S.G.: Incidência de lesões traumáticas em atletas competitivos de dez modalidades esportivas. Rev Bras Ortop 27: 745-758, 1992.
Ekstrand, J. & Gillquist, J.: Soccer injuries and their mechanism: a prospective study. Med Sci Sports Exerc 15: 267-270, 1983.
Ekstrand, J. & Nigg, B.: Surface-related injuries in soccer. Sports Med
8: 56-62, 1989.
MacMaster, W.C. & Walter, M.: Injuries in soccer. Am J Sports Med 6: 354-357, 1978.
Naves, J.: Medicina del deporte y accidentes deportivos, Barcelona, Editores Salvat, 1952 apud Pardon, E.T., 1977. p. 43.
Nilsson, S. & Roaas, A.: Soccer injuries in adolescents. Am J Sports Med 6: 358-361, 1978.
Pedrinelli, A.: Incidência de lesões traumáticas em atletas de futebol, Tese de mestrado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1994.
Sullivan, J.A., Gross, R.H., Grana, W.A. et al: Evaluation of injuries in youth soccer. Am J Sports Med 8: 325-327, 1980.

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